terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Etapas

Você anda pela cidade e a acha envelhecida. Ruas, prédios antigos, casas de uma outra era.Em meio ao antigo surgem novidades, é evidente, porém o que me chama a atenção é a passagem do tempo nas coisas. Uma árvore, uma praça, uma calçada, aquela fachada desbotada, o paralelepípedo...as trincas nas paredes, as lembranças de antigos moradores que se foram.
Ituiutaba... estamos envelhecendo... Também em mim as marcas aparentes e outras tantas escondidas e ainda assim tão presentes. Costumo dizer que vou ficando esburacada. A gente sai da roda-viva e percebe que vai ficando à margem. Quase ninguém tem tempo. É quase como morrer talvez... Antigos colegas de trabalho, amizades esquecidas, sobrinhos queridos. Saudades acordadas de quem não voltarei a ver, nem tocar, nem sentir, nem dizer o que ficou pra ser dito. Saudades de mamãe, com quem vou ficando cada vez mais parecida. Compreendo-a cada vez mais, percebo-a em meus gestos, ao preparar a comida, a sofrer pelo sofrimento dos filhos, a esperar pelas vindas que se escasseiam, ou que se fazem rápidas demais...
Em algo somos diferentes, eu creio. Consigo perceber a solidão e entendê-la e aceitá-la cada vez mais e mais. Percebo o quanto é difícil conviver de verdade, sem exigir nada. Percebo que vou calando tantas coisas por entender que não se precisa dizer muita coisa, enfim.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O "Grupinho"

Guardados, muito bem guardados, estão vários personagens reais que passaram pelo "Grupinho" e pela minha vida!
Como esquecer aquela linda e ciumenta garotinha de sardas delicadas na face, com seus cabelos lisos e dourados? A campeã absoluta das "cartinhas" que recebi das mãozinhas de tantos queridos alunos que desfilaram pelas minhas salas de aula:  Liskelen... E fazendo companhia a ela, sua prima Patrícia, com seus olhos de esmeralda...
O poeta do "Grupinho" que de todos os alunos que tive foi o que mais me surpreendeu com seu talento e promessa de que se tornaria um homem de letras, com seu turbilhão interior que vez ou outra transbordava em belíssimos textos poéticos, com sua sensibilidade e seu séquito de seguidores, entre eles o Marcelo com sua indolência para os livros e as leituras com suas difíceis metáforas.
As meninas que gostavam de moda: Patrícia e Viviane com desenhos de roupas durante as aulas de Português.
A Patrícia Araújo, tão linda, com seus ares de modelo em tantos  desfiles!
À hora da merenda, servida dentro da sala de aula, o vidro com pimenta que era passado de mão em mão, disputado  por todos.
Quando vieram os alunos da "roça", assim chamados pelos da cidade  enciumados pela nossa atenção a eles por serem extremamente disciplinados e respeitosos, houve momentos de tensão até que vencidos pela convivência prazerosa foram integrados e se tornaram grandes amigos e cúmplices. Muitos da cidade iam com eles na sexta-feira para apreciarem a vida na "roça"!
Cláudia, Silma e Rosimeire, os cadernos mais organizados e completos, disputavam as melhores notas; Henrique com seu senso de humor, Neiva, querida, tão madura e sensata sempre pronta a apaziguar os ânimos; Gilcimar, tão calmo!E tantos mais...
Andréia... Daniela... Pollyana... alunas modelo de inteligência e dedicação. Quanto carinho!
Áyra Pollyana, um anjo de doçura: talento, criatividade...
Jaqueline e Cristiane que ofereciam tudo de si pela escola e professores!
Elcilene, tímida e linda!
Juliana e Thiago... Determinação e alegria em estudar...
Aline Moura, a "Narizinho"... linda!
Udna e sua dor de ouvido, com seus cabelos encaracolados e sua beleza que deixava os meninos tontos.
Roselene e Rosimeire... filhas da D. Divina...
E os gêmeos idênticos que trocavam de sala e a gente nem percebia...
Eram tantos e tão queridos!

 



terça-feira, 11 de junho de 2013

Reminiscências...

Mulheres, em geral, são mais conservadoras e cuidadas que muitos homens. Em minha visão, um tanto quanto infantil, via os antigos prédios colegiais de minha infância e juventude como dotados de gênero. Explico: O Colégio Santa Teresa: feminino e o São José masculino.
O Santa Teresa, bem mais íntimo: andei por lá sete anos como estudante e mais alguns como mãe de estudante.
O São José, frequentei poucas vezes. Uma delas foi para levar um material para que o Padre Mário fizesse uma matriz. Naqueles tempos isso era alta tecnologia... meados de 1980.
Padre Mário era um homem metido sempre numa batina preta, calado, taciturno, inteligentíssimo. Fora professor de meus irmãos e sobre ele eu ouvira muitas histórias, onde percebia um misto de admiração, respeito e uma certa aura de mistério.
Recebeu-me tão gentilmente, explicou-me como era feita a matriz, mostrou-me aquela máquina esquisita numa sala de paredes altas e grandes janelas cerradas. Sorria e eu o vi de uma maneira diferente. Gostei dele de pronto.
O Santa Teresa continua lá. Modernizou-se, embora conserve aquele tom de aristocracia e de segregação social.
O São José há muito que deixou de ter alma própria. Mas o prédio ainda permanecia mais ou menos inteiro até que se divulga a notícia de que havia sido vendido. Começou então um processo de mudanças. Vieram abaixo os eucaliptos que outrora davam um ar de outras terras, com seu olor característico nas manhãs de bruma de invernos passados. Recentemente um grande mercado ocupou parte de seus arredores, mas havia ainda uma resistência em uma parte de sua construção. A entrada com suas escadarias e dois blocos grandes e simétricos com seus vitrais pintados e sem graça, como se quisessem mostrar que estavam contrariados com o que se passava e preferiam fechar os olhos. Até que numa manhã de domingo um grande trator tratou de por abaixo um de seus blocos, deixando-o capenga e sem jeito. Houve algumas manifestações de agrado por parte de alguns, de desagrado por parte de outros e agora está lá um monte de entulho que,  embargado pela justiça, ainda não pôde ser retirado.
Ah! Fico imaginando quanta história, quantos segredos velados pelas altas paredes de seus frios corredores. Lágrimas de pequenos internos ausentes de seus familiares, de seus amores. Secretos romances reais ou imaginários e muitos sonhos. E por certo, ainda se pode ouvir o farfalhar de batinas e o som de passos fugidios de fantasmas que tristemente não encontram mais uma casa assombrada e querida e só um caos enegrecido e disforme, cercado por uma fita amarela tão frágil, mas ainda assim representando uma inútil resistência ao novo, ao rápido e descaracterizado progresso
que abarca e muda e torna tudo tão ridiculamente igual e sem expressão.
Uma dor estranha, uma saudade e uma certeza de que passamos... Envelhecida eu também passo, às vezes capenga pelas perdas, estranha, mas ainda de pé vendo os destroços presos por uma tênue fita amarela.
Reminiscências...



domingo, 25 de dezembro de 2011

RioTijuco



Fiquei no clube como um lagarto ao sol...
sozinha, espreitando a natureza exuberante desse dezembro quente.
Beirando o rio... o Rio Tijuco
que algumas vezes busquei com o olhar.
Sinto por esse rio um misto de carinho, medo, gratidão e respeito.
(Todas as vezes que atravesso a ponte, procuro olhá-lo como um súdito que se curva ao rei...)
Há tantas metáforas a respeito dos rios e  de suas águas... quase um lugar-comum, porém vale repetir quando é o que se sente.
Quanto mistério
quanta simplicidade
Estar ali e não ser a mesma água
Estar e prosseguir
Aceitar a condição
Desviar dos obstáculos
Ora mais cheio, ora menos,
redemoinhos
mansidão
buracos
pedras, seixos, diamantes...
plantas
bichos
peixes
gente
dejetos
A tudo e todos recebendo com total indiferença (ou, poeticamente falando... quase amor)
e seguindo
e indo de encontro a outro rio maior.
Achar seu destino
receber outras águas
e doar-se a outras águas
até não ser mais ele mesmo
fundir-se ao oceano...
Eis aí a metáfora:
Quisera também eu aprender
a prosseguir
viver
sem presssa
serena
aceitar minha condição
minha finitude
minha materialidade
e principalmente minha essência
que busca o imaterial, o todo... o mar!


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ituiutaba

Pareces tão pequena em teus muros de serras, em teu calor, em tua mesmice, em teus botecos de churrasquinhos, em tuas vitrines opacas, em tua falta de brilho, em tua política politiqueira, em tuas tradições equivocadas, em tua gente que ostenta um poder de vidro...que ora ou outra se quebra.
Pareces tão pequena no cinema que não há mais, nas tuas praças desertas de flores e ainda assim me encantas e me manténs cativa de teu ar pesado e quente, de tua luz intensa nos pores-de-sol.

Pablo Neruda

Gosto quando te calas

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

Pablo Neruda

Um poema não é para ser explicado, mas sentido no mais íntimo de nossa inquietante busca por vida... Neruda consegue me transportar para um lugar sem nome, mas que me faz vibrar em outra frequência... Não são palavras... são setas de fogo que me atingem e não me matam nem ferem, mas incendeiam-me com tanta magia e poesia... 


Traduzir o ser amado no silêncio e gostar de se reconhecer nesse silêncio,  gostar mesmo da própria dor que desse silêncio emerge...